Em silêncio, Barão de Cocais sofre com crimes de abuso sexual

O Semáforo do Toque é uma forma descontraída de ensinar as crianças sobre partes de seu corpo onde elas podem e não podem ser tocadas por outras pessoas

  • CERCADOS DE TABUS, PACTOS E NEGACIONISMO

27/01/2024 – O Grupo de Apoio às Vítimas de Violência Sexual de Barão de Cocais está precisando de ajuda para implementar no município o projeto Semáforo do Corpo. Trata-se de um jogo que tem viralizado nas redes sociais e sido bastante recomendado por especialistas para abordar noções de autoproteção com crianças. O objetivo do projeto é barrar na cidade o crescente índice do crime de abuso sexual.

Apesar de não ter uma estatística local, Jussara Cristina Silva, fundadora do grupo, com base nas estatísticas nacionais, afirma que a incidência desse tipo de crime em Barão de Cocais é alarmante.

No Brasil, a cada dia, 80 crianças e adolescentes sofrem algum tipo de violência sexual, física e/ou psíquica, segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Nos quatro primeiros meses de 2023, foram 9.613 vítimas. Levantamento de órgãos oficiais mostraram que pelo Disque 100 (canal de denúncias) chegaram ao ministério registros de 17,5 mil violações que envolvem abuso, estupro, exploração sexual, assédio sexual e abuso sexual psíquico. Em Barão, ela diz que a situação não é diferente.
Entretanto, de acordo com Jussara Silva, os números oficiais não retratam ainda a realidade. Os números reais podem ser muito maiores.

“Estudos mostram que esse é um tipo de crime que tem uma cifra negra, ou seja, que as pessoas não denunciam. A cada 10 crimes que ocorrem, somente um é levado ao conhecimento do Judiciário, porque é um crime que ainda há um estigma muito grande de que a vítima é culpada. Então isso inibe muito as pessoas de denunciarem, de serem revitimizadas. De ter uma segunda revitimização pelos judiciários”, lamentou a fundadora do grupo de apoio.

As consequências do abuso sexual, segundo a ativista, trazem uma série de problemas já comprovados cientificamente, entre elas, ansiedade, depressão, síndrome do pânico, comportamentos autodestrutivos ou sexualização precoce.

A melhor forma de resolver os problemas e traumas provocados pelo crime de abuso sexual é se prevenindo, conforme defende Jussara Silva. A brincadeira do Semáforo do Corpo consiste em imprimir a figura de uma criança (vestida) e marcar de verde, vermelho ou amarelo — em alusão ao semáforo de trânsito — os locais do corpo da criança em que outras pessoas podem e não podem tocar.

A intenção da mentora do grupo de apoio, é ensinar as crianças a respeitar os limites do próprio corpo e do corpo do outro. A proposta era desenvolver o projeto junto às escolas e instituições de atendimento à infância. Entretanto, a associação está encontrando resistência. “A gente faz o contato com as escolas e elas ficam de dar um retorno, mas não acontece”.

Jussara Cristina Silva, fundadora do grupo: “A gente sabe que a grande maioria dos casos acontecem com pessoas conhecidas das vítimas, principalmente com crianças abaixo de 12 anos, o que é muito alarmante”

Enquanto isso, Jussara, com recursos próprios, tenta levar a brincadeira para espaços abertos. “A gente está tentando conseguir apoio de empresas para que possam financiar lápis de cor, giz de cera, papel, para que a gente possa fazer um trabalho lúdico, mais fácil de chamar a atenção da criança. Estava fazendo isso com dinheiro meu, mas com apoio, a gente pode ampliar [o atendimento] para ensinar onde a criança pode e não pode ser tocada. A diferença entre toques carinhosos em lugares permitidos e toques invasivos em lugares não permitidos”.

“A gente precisa pensar num trabalho preventivo. Quanto mais conversar sobre, mais a gente vai conseguir com que crianças e adolescentes tenham mais noção do que são os corpos e como pode ser o acesso a eles em relação a carinho e a assédio. Parece que não, mas para as crianças isso ainda é muito confuso”, orienta ela.

Conta no Instagram mostra grau de banalização do crime de abuso sexual em Barão

Apesar de só, Jussara Silva se recusa a desistir do trabalho de mobilização para libertação das vítimas de abuso sexual. No entendimento dela, a vítima de abuso sexual não pode percorrer sozinha o caminho do processo criminal. Ela precisa, sobretudo, de apoio e acolhimento.

Canal tem o compromisso de manter o sigilo da identidade da vítima

Uma conta fechada na rede social do Instagram foi a forma que ela encontrou para manter o trabalho. Através da rede social do Instagram, o Grupo de Apoio às Vítimas de Violência Sexual de Barão de Cocais expõe depoimentos das vítimas, que indicam o grau de banalização que a violência sexual contra menores de 18 anos atingiu em Barão de Cocais. O canal tem o compromisso de manter o sigilo da identidade da vítima num contexto de violência doméstica empreendida por conhecidos.

O grupo de ajuda estimula mulheres a compartilhar suas experiências na rede, onde por meio de depoimento recordam episódios de violência que marcaram sua infância e adolescência.

Grupo de apoio foi criado há 8 anos e funciona sem ajuda

O Grupo de Apoio às Vítimas de Violência Sexual foi criado em 2016 pela então estudante de direito e pós-graduada em ciência criminais, Jussara Cristina Silva com o objetivo de discutir o assunto e buscar soluções e avanços capazes de beneficiar o município, mobilizando a sociedade e convocando para o engajamento contra a violação dos direitos sexuais de crianças e adolescentes.

Foi aprofundando nas pesquisas para o seu TCC que Jussara Silva disse ter despertado para o tamanho da tragédia desse tipo de crime, que está espalhado por todo o país, e teve a ideia de criar o grupo.

Ela destaca que o mais alarmante é que os agressores, muitas vezes, são pessoas acima de suspeitas e estão entre membros familiares das vítimas, políticos, patrões e empresários. Já as vítimas são crianças, adolescentes e mulheres já adultas. Em comum, elas carregam consigo medo, vergonha e até mesmo um entendimento errôneo de culpa. E todas precisam de cuidados que incluem acolhimento, escuta, assistência psicológica.
“A gente sabe que ao contrário das figuras que colocam no cinema, na televisão, do agressor desconhecido, a grande maioria dos casos acontecem com pessoas conhecidas das vítimas, principalmente com crianças abaixo de 12 anos, que correspondem a 70% dos casos de violências sexuais. Pai, padrasto, tio, vizinho, avô, o que é muito alarmante”, denunciou a ativista.

Em meio a tanta exposição pessoal, o tema se mostrou difícil, cercado de tabus e pactos de silêncio e o grupo de ajuda não conseguiu apoio dos órgãos governamentais, até agora.