Além da escolha do município, a feira inovou com a utilização da moeda social
A tricentenária Ouro Preto abriu o circuito das Feiras Regionais de Economia Popular Solidária nos dias 3 e 4 de março com muitas novidades e diversidade. Além de agregar empreendimentos que não estavam organizados pela lógica da economia solidária, usar novas barracas, mais amplas e coloridas, e do evento ser construído, cada vez mais, de forma coletiva, inclusive a definição do município a abrigar a iniciativa, pela primeira vez, a feira usou a moeda social Lisa.
No espaço era possível adquirir artesanato em madeira, ferro, cerâmica, bambu, bordado, crochê, pintura em tecido, produtos processados da agricultura familiar, como cachaça de banana, biscoitos licores, doces e geleias, e uma novidade, material de limpeza e produtos de higiene. Ao todo, a Feira contou com a participação de 64 expositores de 31 empreendimentos, localizados em 14 municípios da região do Campo das Vertentes. De acordo com a organização, a venda dos dois dias de feira chegou a R$ 10.978,50.
De acordo com a coordenadora da Associação Produzir e Aprender Juntos (APJ), Maria Soares, na programação da feira também tem espaço para formação e troca de experiências entre os empreendedores. “Na véspera da abertura fizemos uma roda de conversa e o resultado foi a formação de grupos de trabalho – infraestrutura, alimentação, mística e finanças -, com atribuições específicas. O GT de Finanças, por exemplo, decidiu que 5% das vendas são para assegurar alimentação e hospedagem para todos os expositores e o restante será encaminhado para o Fórum Regional do Campo das Vertentes”, informou Maria Soares.
Fundada em 1984, pelo padre Lisa Giovanni Battista, em Teófilo Otoni, a associação, que se define como centro de promoção humana, foi indicada pela Comissão de Participação Popular da assembleia Legislativa de Minas gerais (ALMG)e à luz da MROSC, foi assinado termo de parceria, em dezembro do ano passado, com Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social. “Foi graças ao Marco Regulatório das Organizações Civis que foi possível estabelecer parceira com uma associação com trajetória na economia solidária“, explica o diretor de comercialização da Superintendência de Políticas de Empreendedorismo e Economia Popular Solidária, da secretaria, José Ribeiro.
Nesse aspecto a feira também recebeu um reforço. “A empresa que fornece a infraestrutura também está trabalhando de forma solidária e para fomentar a economia local, serviços como fornecimento de mesas, cadeiras e banheiros químicos foram contratados no município”, disse a coordenadora da associação, que defendeu a meta de toda a cadeia de produção, organização e realização da feira ser construída de forma solidária. “Para isto temos que diversificar a atuação da economia solidária”.
Parcerias fortalecem o movimento social
“O circuito das feiras regionais da Economia Popular Solidária, iniciado em Ouro Preto, além de criar oportunidades de comercialização para os empreendimentos e intercambio de experiências, traduz um compromisso em consolidar o caráter publico estatal dessa Politica em Minas Gerais, na medida em que a Sedese realiza as feiras junto com parceiros”, avaliou a superintendente de Políticas de Empreendedorismo e Economia Popular Solidária , da Sedese, Léa Braga.
A Feira Regional da Economia Popular Solidária do campo das Vertentes é uma iniciativa da Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (Sedese), em parceria com o Fórum Mineiro de Economia Popular Solidária, Conselho Estadual de Economia Popular Solidária (Ceeps) e da Associação Aprender e Produzir Juntos (APJ). Em Ouro Preto contou com o apoio da Prefeitura e da Agência de Desenvolvimento de Ouro Preto
Moeda social
Muitos dos expositores tiveram o primeiro contato com moeda social na feira. De barraca em barraca, Maria Soares explicou como funciona a moeda. “Este é um momento de divulgação para que os expositores conheçam e levem o princípio da moeda social e do banco comunitário para a região deles”, explicou a coordenadora, enquanto distribui 20 Lisas, por meio do banco móvel do Banclisa.
A previsão é que na Feira Estadual de Economia Popular Solidária, marcada para junho, em Belo Horizonte, estejam presentes os três bancos comunitários, hoje em funcionamento em Minas Gerais – o Banco de Esmeraldas, o Chapadense e o Banclisa. Este último um projeto de finanças solidárias, criado em 2008 pela APJ, que já realizou treze feiras de economia solidária em Teófilo Otoni, no Território do Mucuri.
Com valor equivalente ao Real, a moeda Lisa oferece vantagens, tais como descontos as compras feitas em lojas credenciadas. Outro benefício é o fato de o dinheiro gerar capital de giro para o comércio local.
Impactos positivos na região
Acostumada à realização de feiras de artesanato e de hortifrutigranjeiros, a cidade de Ouro Preto recebeu pela primeira vez uma feira da economia solidária e resultados já foram apurados. “Vamos agregar ao decreto em elaboração e que regulamenta a realização de feiras, a questão da economia solidária”, anunciou o secretário Municipal de Governo, André Simões, presente na roda de conversa realizada no primeiro dia de feira (3). A regulamentação está prevista para março. “A iniciativa é ótima, além de fomentar o artesanato da região, é uma diversão para a família ouro-pretana e visitantes, um lugar agradável e bonito!, comemorou o secretário.
Empreendimentos que não estavam organizados sob a lógica da economia solidária foram agregados. Como é o caso do Coffee Sol, empreendimento recém-fundado em Santa Cruz de Minas e que ainda se encontra sob a tutela da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Federal de São João Del Rei (ITCP-UFSJ). A atuação da diretoria regional de São João Del Rei foi decisiva para a presença deste grupo e também da APAC de São João Del Rei. A renda do artesanato em madeira, ferro e palito além de crochê, bordado e tear, produzidos pelos detentos tem parte revertida para os próprios produtores e outra parte para a APAC, explica a supervisora de oficinas, Luciene Janiques.
“A regional deu apoio, atuou na organização e interlocução. Ouvimos as demandas e deliberações do movimento social e a própria realização da feira é uma resposta do Governo de Minas”, afirmou a diretora regional da Sedese em São João Del Rei, Merilane Cardoso. “Um adas definições do Fórum Regional do Campo das Vertentes foi girar o fluxo, trabalhar na interiorização. Uma vez que São João já havia sediado o evento por três vezes, definiu-se por fazer essa edição de 2018 em Ouro Preto.
De Santo Antonio do Leite, distrito de Ouro Preto, vieram os artesãos Reinaldo da Conceição Silva, Danilo José da Silva e Rodolfo Verdessi. Instalados na primeira barraca, eles trouxeram bijuterias em prata e pedra e cerâmica vitrificada. Acostumados a trabalhar para terceiros, já que não participavam de feiras há algum tempo, eles viram a economia solidária em ação pela primeira vez. “Gostei do propósito, valoriza o trabalho e o esforço de todos”, disse Reinaldo.
Já para o iniciado Fagner Ezequiel da Silva, que participou da última Feira de Economia Solidária de Santa Maria (RS), maior evento do gênero da América Latina, o ponto mais importante é outro. “Fiz amizades, ajudo o colega, não só vender e enriquecer, a vantagem dessa feira é que ninguém é excluído. As vendas estão boas e onde tiver outras como essa, eu vou correr atrás”, disse o artesão. Fagner trabalha com ferro reciclável e é de Rio das Mortes, distrito de São João Del Rei, onde sempre expõe na Praça da Estação. “Em Santa Maria, vendi tudo no primeiro dia de feira”, lembra, com um largo sorriso no rosto.
A também experiente Dorinha Mãos de Amarantina não perdeu a oportunidade e conseguiu trazer suas quitandas. “Depois que a Casa de Pedra de Amarantina foi fechada, tive que trabalhar na rua. Vendo no passeio do grupo”, lamenta Dorinha, que já teve inclusive passagem pelo programa de tv Terras de Minas. “Quando saiu, vendi muito”, lembra. Apesar de acostumada com a realidade de feirante, os olhos de Dorinha enchem de água quando fala dos três filhos e dos cinco netos, um deles ainda dependente do dinheiro que ela levanta na feira. “Não desanimo, volto e vou de novo. Adoro fazer as coisas e vender. Minha mãe também era assim, praticamente morreu na feira, aos 70 nos de idade”, desabafa.
E quem passou pela feira não se arrependeu. A engenheira civil e moradora de Ouro Preto, Isadora Oliveira elogiou a qualidade e a diversidade do que viu. “Vi muita coisa diferente aqui e dá para ver que eles colocam muito carinho no que fazem”, elogiou.
A feira contou com a participação de expositores dos municípios de Santa Barbara do Tugúrio, Barbacena, Conselheiro Lafaiete, Barroso, Ouro Preto, São João Del Rei, Santa Cruz De Minas, Antonio Carlos, Congonhas, Cachoeira do Campo, além de produtos de Teófilo Otoni expostos na Central de Economia Solidária.
Depois de Ouro Preto, serão realizadas feiras em Governador Valadares (17 e 18/03), Passos (31/03 e 1º/04), Paracatu (21 e 22/04), Uberlândia (30/04 e 1º/05), Juiz de Fora (11 e 12/05), Januária (18 e 19/05), João Monlevade (02 e 03/06), Teófilo Otoni (16 e 17/06) e Diamantina (06 e 07/07), além da Feira Estadual de Economia Popular Solidária marcada para os dias 8, 9 e 10 de junho, em Belo Horizonte.