Dois meses após a tragédia provocada pela barragem em Brumadinho, em 25 de janeiro, matando 216 pessoas deixando 91 desaparecidos, agora foi a vez de moradores de Barão de Cocais vivenciarem um momento de apreensão, mesmo sendo um simulado do rompimento da barragem Sul Superior “Gongo Soco”, de propriedade da Vale na comunidade rural de Socorro.
Os trabalhos foram preparados por meio da Vale, Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) e Prefeitura local, que decretou feriado municipal para facilitar a participação dos moradores.
As ações tiveram início às 9h da última segunda-feira (25) com reunião dos moradores no Espaço de Eventos José Furtado. Na oportunidade, foram prestados esclarecimentos e orientações acerca dos procedimentos necessários à evacuação para sete pontos de encontros (veja abaixo), locais para onde as pessoas devem se deslocar em caso de rompimento da barragem. As rotas de fuga estão indicadas por placas pelas ruas dos bairros envolvidos.
Às 16h foi realizado um simulado de evacuação de emergência, momento de maior apreensão com viaturas pelas ruas, carros com sirenes e áudio anunciando simulado do rompimento da barragem. Helicópteros rasgando o céu e agentes da Defesa Civil e colaboradores da Vale em pontos estratégicos prestando informações sobre as rotas de fuga contribuíram para deixar a cena ainda mais dramática.
O prefeito Décio Santos (PV), disse que o simulado é uma necessidade, pois só assim, a população nas áreas afetadas saberá como agir em caso de rompimento da barragem.
“No Japão tem terremoto todo dia e uma criança de quatro anos sabe o que fazer. É uma realidade que estamos vivendo, não sabemos por quanto tempo, mas o mais importante é que estamos treinados, pois nossa preocupação neste primeiro momento é com a vida das pessoas. Quanto ao gasoduto que atende a Gerdau, que passa aqui no Centro, ele permanece paralisado enquanto a barragem estiver em nível 3. O gás está sendo fornecido por meio de caminhões. Quanto a água, a Copasa nos garantiu que se ocorrer o rompimento, será colocado em prática o plano b, que garantirá o abastecimento de toda a cidade normalmente”, disse Décio Santos.
Já o pós rompimento, que provocaria estragos imensuráveis por toda a cidade, principalmente nas comunidades próximas a barragem, existe apenas uma ação que pede o bloqueio de R$ 2,95 bilhões da Vale para reparar os estragos.
Pontos de salvamento
Escola Nossa Senhora do Rosário
Fazenda Soledade
Escola Efigênia de Barros Oliveira
Escola Municipal Maria da Glória
Escola Municipal Mares Guia
Praça de Eventos José Furtado
Clube Morro Grande
Neste final de semana, os simulados de rompimento da barragem Sul Superior acontecem nas cidades de São Gonçalo e Santa Bárbara. Estes dois municípios, conforme previsão, seriam atingidos pelos rejeitos em 3h16m.
Números
Ao todo, 652 pessoas participaram da simulação, entre integrantes das Forças de Segurança do Estado e funcionários da Vale. Foram utilizadas 24 viaturas da Polícia Militar, oito do Corpo de Bombeiros, dez ambulâncias e duas aeronaves. Também participaram 21 profissionais da área da psicologia e outros 14 das áreas da veterinária e biologia.
Dos 6.054 moradores de áreas de risco em Barão de Cocais, 3.626 participaram do simulado, representando cerca de 60% de efetividade.
O tenente-coronel da Cedec, Flávio Godinho, destacou a efetividade dos trabalhos do Estado. “Nós tínhamos uma hora e 12 minutos para que a lama chegasse até a primeira casa e nós conseguimos fazer a evacuação de todas as pessoas que participaram desse simulado em 32 minutos, ou seja, muito aquém do tempo limite”, afirmou.
A Defesa Civil Mineira informou que, desde terça-feira (26), está em curso a nova fase da operação de prevenção de riscos. O trabalho consiste em visitas às casas das pessoas nas áreas que podem ser atingidas pelo rompimento para reforçar os procedimentos de segurança. Além disso, haverá atenção especial às pessoas com deficiências. Sugestões dos moradores sobre o simulado também serão incluídas no plano de ação final.
Simulado de rompimento de barragem em Barão divide opiniões
Agentes de TVs e emissoras de rádios, repórteres, homens da Defesa Civil, polícias militar e civil, bombeiros, colaboradores da Vale e servidores da Prefeitura, viaturas, helicópteros rasgando o céu e carros com anúncio de simulado do rompimento da barragem Sul Superior, na mina de Gongo Soco, em Barão de Cocais, seguido de sirene fúnebre não convenceram parte dos moradores que assistiam a tudo. Veja enquete.
Ana Rita de Souza e Geraldo Coelho Rodrigues – moradores da comunidade de Socorro
Estamos a dois meses fora de casa, sem poder se quer ir até lá para ver como estão nossos pertences. Saímos apenas com as roupas no corpo após o primeiro anúncio que classificou em nível 2 o risco de rompimento. Estávamos em um hotel e nesta semana fomos transferidos para uma casa alugada pela Vale, pois temos filhos pequenos e um deles está passando por tratamento psicológico em conseqüência de tudo isso. Alguns pensam que nossa situação é confortável, mas não é. Queremos voltar para casa, acabar com este pesadelo, voltar com as festas de Mãe Augusta, voltar a viver em liberdade em volta aos vizinhos e a consumir de nossa própria produção e da água sem cloro”, dizem
Pedro Paulo Vieira – Morador da área central
Nossa preocupação é ainda maior, pois além da barragem, temos o gasoduto que abastece a Gerdau que passa aqui, nas imediações. Já pensou se isso estoura com a chegada da lama? Tem ainda o posto de combustíveis e a usina da siderúrgica. O problema é que eles não falam nada sobre isso. Quanto ao simulado, eu acho um absurdo, pois na atual fase tecnológica e robótica, não é possível que eles não tenham competência para esvaziar a barragem. Devem parar com o teatro, resolver logo a situação, pois a maior riqueza de Minas Gerais é seu povo”, opina Pedro Vieira.
Ézio Martins, José Tomíssio, Anselmo Antônio Moreira e Devenildo Nascimento – aposentados
“A lama não chega ao Centro, pode atingir o rio, mas a rua aqui, não. Pode chegar a água. Eles estão exagerando. Não é tudo isso não, sabemos que a barragem está igual angu, que pode romper, mas tem mais coisas aí. A corrupção em Brasília é ainda mais suja e podre do que a lama da barragem”, dizem, em coro, os senhores que estavam iniciando partidas de truco na praça Nossa Senhora Aparecida, dentro da mancha de inundação conforme o mapa, durante o simulado de evacuação.
Ilton Moutinho dos Santos – morador do Centro
“O simulado é bom para mostrar às pessoas como agir caso ocorra uma emergência. Só que esta barragem de Barão, a Sul Superior, tem capacidade para 6 milhões de m³ de rejeitos, metade de Brumadinho, e com menos agravantes. Se compassemos as duas, a que estourou em Brumadinho, com 13 milhões de m³, arrastou rejeitos por 10 quilômetros, então seis milhões de m³ não podem se arrastar por 17 quilômetros, que é a distância da barragem de Barão até as primeiras casas da região urbana. O que pode chegar aqui é água e causar alguns transtornos, falo isso com muita tranquilidade. Acredito que isso que a Vale está promovendo é para provar para o Ministério Público que ela tem competência para resolver os problemas das barragens a montante e seguir com seus projetos”, argumenta Ilton Santos
Barragem de Gongo Soco
No dia 8 de fevereiro deste ano, quando houve a elevação do nível de emergência da Barragem Sul Superior para o nível dois, 454 pessoas que residiam na zona de autossalvamento (ZAS) foram, preventivamente, evacuadas de suas casas e permanecem até o momento em hotéis, pousadas, casas alugadas pela Vale ou em residências de parentes. Foram instalados pontos de bloqueio para impedir que os moradores acessem a ZAS.
Neste momento, a nova alteração do nível de emergência da barragem, de 2 para 3, o que significa possibilidade de rompimento a qualquer momento,.exige a adoção de medidas junto à população que vive na chamada zona de segurança secundária (ZSS), que é a região potencialmente afetada em caso de rompimento, mas que permite, pela distância em relação à barragem, condições de segurança para evacuação no caso de um colapso. Neste caso, os bairros afetados e o Centro estão em média 17 quilômetros da barragem e o tempo para a chegada da água e parte do rejeito até a primeira casa seria de 1h12m. Pelos cálculos, mais de seis mil pessoas seriam afetadas diretamente.
Quanto aos serviços para descomissionamanto (esvaziar a barragem), não são possíveis no momento devido ao risco de abalar o solo e acelerar uma avalanche de rejeitos de minério que, conforme a mancha apresentada pela Vale, no mapa de inundação, chegaria até o Centro da cidade em até 1h12m, com impactos nas cidades vizinhas de São Gonçalo do Rio Abaixo e Santa Bárbara, que receberiam os rejeitos em 3h6m..
Bloqueio de R$ 2,95 bilhões
Uma decisão da Vara Única da Comarca de Barão de Cocais, proferida em 25 de março, em pedido de Tutela Cautelar Antecedente no âmbito da ação civil pública, pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais e pela Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, determinou o bloqueio de recursos da Vale no valor de R$2.950.bilhões, visando resguardar o ressarcimento de eventuais prejuízos, patrimoniais e extrapatrimoniais, suportados pelas pessoas afetadas pelas evacuações já ocorridas e pelas que porventura venham a ocorrer com relação à barragem Sul Superior, em Gongo Soco, Barão de Cocais.
Em nota, a Vale diz que adotará as medidas cabíveis no prazo legal quanto a determinação.
Paralisação de Brucutu
A Vale informou em nota na segunda-feira (25), que Brucutu não retomará sua operação no prazo previsto anteriormente, devido a decisões liminares na Justiça baseadas, principalmente, em notificação recebida pelo Ministério Público de Minas Gerais, contendo informações preliminares sobre as estruturas da mina
De acordo com fato relevante publicado pela mineradora, a referida determinação terá efeito apenas nas operações da mina de Brucutu, em função da Barragem Sul (Laranjeiras) receber descargas eventuais de sua usina de concentração, com impacto anualizado estimado na produção de aproximadamente 30 milhões de toneladas de minério de ferro. Ainda segundo o comunicado, a Vale continuará a adotar todas as medidas necessárias para garantir a segurança de suas barragens e tomará as medidas legais cabíveis no âmbito das ações judiciais.
Na quinta-feira passada (21), a Vale recebeu aval provisório da Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais (Semad) para operar a barragem de Laranjeiras, o que permitiria o retorno das operações na mina de Brucutu em até 72 horas. Brucutu, a maior unidade de minério de ferro da Vale no estado, havia sido paralisada no começo de fevereiro, devido a uma ação na Justiça pelo Ministério Público de Minas Gerais, após o rompimento da barragem de Brumadinho, em 25 de janeiro.
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