Proposta de privatização da Copasa é criticada em audiência pública

Apenas o representante do Estado defendeu a desestatização, ainda em estudo pelo governo de Romeu Zema

As críticas à intenção do Governo do Estado de privatizar a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) deram o tom de audiência pública realizada, nesta quinta-feira (24/9/20), pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para discutir o tema. Apenas um dos debatedores, representando o governo, defendeu o processo.

O relator de Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário da Organização das Nações Unidas (ONU), Léo Heller, apontou riscos desse processo. Ao maximizar seus lucros, segundo ele, a empresa aumenta tarifas e reduz investimentos, negando o acesso de populações pobres à água e comprometendo a qualidade do serviço. Outro problema seria o monopólio da prestação do atendimento, que facilitaria a “captura” do órgão regulador pelo prestador privado.

Essas distorções, de acordo com Heller, ocorreram em todo o mundo, provocando diversos casos de retorno de serviços de saneamento ao controle público.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Para o presidente do Sindágua (sindicato que representa os trabalhadores da Copasa), Eduardo Pereira de Oliveira, o melhor argumento para não privatizar a Companhia de Saneamento do Estado é a prática do subsídio cruzado. “Ele corrige distorções e permite que pequenas cidades tenham o mesmo nível de saneamento das grandes”, afirmou.

O sindicalista buscou desmontar alguns argumentos do governo a favor da privatização, como o de que a empresa seria deficitária: “Em 2019, foram R$ 754 milhões de lucro”.

Outra tese combatida foi a de que a Copasa teria uma perda de água de 40%. Parte desse percentual, de acordo com Oliveira, refere-se à água não convertida em receita, o que acontece por meio de “gatos”. “Essa água chega a pessoas que não têm condições de pagar por ela”, avaliou.

Meio ambiente – Coordenadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a professora Andréa Zhouri falou sobre os possíveis impactos nessa área. Ela disse que as normas ambientais sofrem constantes alterações em Minas, gerando insegurança jurídica. “Os governos têm feito a gestão do patrimônio público para atender ao interesse privado, provocando enormes desastres”, declarou.

Nesse sentido, lembrou das recentes tragédias relacionadas ao rompimento de barragens. “O desastre em Bento Rodrigues (distrito de Mariana, na Região Central), em 2015, não impediu que manobras ocorressem para tornar o licenciamento ambiental mais simplificado”, destacou. Para ela, esse “desmanche”, na contramão do que a sociedade esperava, propiciou outra tragédia, na Mina do Córrego do Feijão (Brumadinho, Região Metropolitana de Belo Horizonte), em 2019.

Andréa Zhouri considera que esse processo continua, como mostra o projeto de construção da Usina Hidrelétrica de Formoso, em Pirapora (Norte). De acordo com ela, a empresa SPE Formoso tem feito manobras jurídicas junto aos órgãos públicos para licenciar a construção da usina. A professora defendeu que a Assembleia institua uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para debater o licenciamento ambiental no Estado.

Índios – Anália Tuxá, indígena que mora na região afetada pela Usina de Formoso, reivindicou que as comunidades atingidas pela barragem sejam ouvidas. “A importância do Rio São Francisco é enorme. A água é sagrada para nosso povo”, disse ela, completando que, se o projeto se concretizar, haverá grande destruição de flora e fauna locais e da cultura dos povos tradicionais.

O deputado federal Padre João (PT-MG), da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, afirmou que o acesso à água e ao saneamento promove a saúde e previne doenças. Ele rebateu fala do governador Romeu Zema e afirmou que a população tem, sim, de ser consultada sobre a privatização da Copasa.

Governo estuda melhor modelo de desestatização

Representando o Governo de Minas, o diretor-do Comitê Mineiro de Desestatização, Thiago Toscano, comentou os argumentos dos convidados que o antecederam. Ele disse que não estava na reunião para discutir “a privatização ou não da Copasa, mas a melhoria do fornecimento de água e de saneamento”.

Ele mostrou dados que apontariam um atendimento pior da concessionária na comparação com outras empresas do setor. No caso do índice de coleta de esgoto, a Copasa atinge 54% enquanto a Sabesp, de São Paulo, ultrapassa 87%.

Afirmou ainda que, em Minas, quatro cidades já delegaram o saneamento a empresas privadas, que praticam tarifas mais baratas que a companhia estadual. Esta teria como tarifa média do fornecimento de água o valor de R$ 5,02, enquanto as privadas cobrariam R$ 3,55.

Toscano rebateu também o argumento de que as companhias privadas não investiriam nos serviços de água e saneamento. Segundo ele, a Copasa atende com rede de esgoto 55% dos consumidores, enquanto as outras atendem 87%. Nessa perspectiva, afirmou que, em 2018, a concessionária estadual distribuiu a maior parte de seu lucro a acionistas, em vez de investir no atendimento. E que, em anos anteriores, quase todo o lucro foi para o caixa único do Estado, para cobrir deficits.

De acordo com o diretor, o governo está discutindo o melhor modelo de desestatização. “Há vários modelos diferentes. Podemos, por exemplo, vender apenas algumas ações para a iniciativa privada e o Estado manter-se como acionista, orientando a prestação do serviço”, disse.

Pandemia – A deputada Leninha (PT), que preside a Comissão de Direitos Humanos e solicitou a reunião, manifestou sua preocupação com a possibilidade de fim do subsídio cruzado e destacou o movimento de reestatização dos serviços em outros países. Também lamentou o início de um debate crucial para o povo de Minas no momento de pandemia, assim como ocorreu com a discussão da reforma previdenciária.

A deputada Andréia de Jesus (Psol) afirmou que o governo Zema não apresenta respostas convincentes às perguntas que a sociedade faz. Ela citou o exemplo de dois bairros de Ribeirão das Neves (RMBH), que sofrem com a paralisação do fornecimento de água potável há mais de 20 dias. E questionou a proposta de privatização num momento de crise, o que provocará a desvalorização da empresa.

A deputada Ana Paula Siqueira (Rede) reafirmou sua posição contra a privatização da Copasa. Ela defendeu que se discuta o ajustamento de pontos deficitários na empresa para que todos os mineiros sejam atendidos com serviços de água e esgoto. “Temos que preservar o patrimônio dos mineiros e não abrir mão”, disse.