Secretária municipal de Educação, Laura de Souza, na posse dada pelo prefeito Marco Antônio na terça-feira (8), no teatro da Fundação Cultural
Em meio à polêmica que colocou Itabira no centro das atenções da mídia nacional por acusações de homofobia, o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) antecipou sua decisão e deu posse à nova secretária municipal de Educação, Laura de Souza, a professora, lésbica e servidora de carreira do Município, na data em que se celebra o Dia Internacional da Mulher. A previsão inicial era de que a posse deveria ocorrer somente no dia 15.
Além de marcar a cidade, mais uma vez, de forma negativa pelo preconceito e discriminação, a polêmica em torno do assunto veio escancarar um racha entre o prefeito e o seu vice Marco Antônio Gomes (PL). Em um áudio gravado durante uma reunião do vice-prefeito, que também é pastor de uma das maiores igrejas da cidade, com o Conselho de Pastores de Itabira (Conpai), Marco Antônio expôs toda a sua insatisfação com o rumo dado ao governo pelo prefeito.
Cobrado pelos representantes das igrejas evangélicas, que em sua maioria apoiaram fortemente a campanha eleitoral do atual prefeito, de decisões que vão contra as crenças deles que incluem além da nomeação da secretária lésbica para gerir a pasta da Educação, a criação de um conselho para tratar de forma exclusiva as causas LGBTQIA+, no áudio, o vice-prefeito justifica o fato de não ter se posicionado contra, até então publicamente. “Em relação à secretária de Educação que o prefeito Marco escolheu, eu não fiquei sabendo. Só fiquei sabendo através da mídia e depois posteriormente em conversa com ele. Eu não concordei. Escrevi pra ele, eu não concordo. Depois, nós tivemos lá essa lei que ele enviou à Câmara dos Vereadores, também fiquei sabendo posteriormente. Prefeito é ele. Eu posso discordar, eu posso não concordar. Mas quem toma a decisão é ele”.
Polícia Civil abre inquérito para investigar a prática de homofobia
A retração do vice-prefeito Marco Antônio Gomes (PSB) sobre o áudio no qual diz que não é consultado nas decisões do governo, veio depois da grande repercussão negativa, que atraiu a atenção da imprensa nacional para Itabira. O caso foi parar na polícia. Um inquérito foi aberto para investigar a prática do crime de homofobia. Entretanto, o presidente do Partido Social Cristão (PSC) no município, Dalton Albuquerque, foi quem se tornou o alvo da ação policial. Além de repercutir as falas do prefeito, o presidente, que também é evangélico, foi mais enfático ao se posicionar em redes sociais contrário à indicação de uma mulher homossexual para à pasta da Educação. Para ele, a escolha da secretária e a criação do conselho LGBTQA+ fazem parte de planos e manobras do Governo Municipal para inserir uma suposta ideologia de gênero na rede do ensino municipal de educação.
“Por trás de um projeto de lei, aparentemente inclusivo, esconde uma iniciativa satânica contra a família itabirana. Com a criação do ‘Conselho’ as portas das escolas estarão abertas para os “militantes LGBTQI+”, terem acesso aos seus filhos. A “cereja do bolo” é a nomeação da secretária de Educação, militante do tal movimento. DOUTRINAÇÃO, NÃO! Manifeste agora, ou amanhã, seu filho do sexo masculino poderá chegar em casa depois da aula de “baton e calcinha rosa”. Pais e mães – A decisão é de vocês!!!”, publicou Dalton Albuquerque (foto) em suas redes sociais.
A publicação custou seu linchamento perante a imprensa e a opinião pública e ainda culminou em processo criminal.
Ele foi intimado a comparecer na Delegacia de Polícia Civil na segunda-feira (7) para depor para prestar esclarecimentos.
As ações e os ataques sofridos em redes sociais o acusando de homofobia não foram suficientes para fazer o político recuar. Ele defende seu livre “direito de expressão”. Em sua página do Facebook, seus advogados anunciaram que Dalton Albuquerque estuda processar veículos de comunicação e pessoas que comentaram e o acusaram de homofobia. Os advogados, estudam, nos próximos dias, entrar com uma ação pelo crime de danos morais. Para os advogados, o dano causado à imagem do Dalton Albuquerque por ele ter expressado sua opinião de forma democrática já é irreversível. “O que ele fez foi uma reflexão. Não existe nenhum discurso de ódio que inferiorize a orientação sexual, nada disso. O que existiu, foi uma reação de pessoas que estão imputando a ele o crime de homofobia”, diz a publicação.
Nova secretária diz que usará polêmica como forma de fortalecer seu trabalho em prol da educação
Desde que o vídeo foi publicado e a nova secretária de Educação, Laura de Souza, se viu como alvo central de discussões polêmicas envolvendo a homofobia, ela optou pela discrição e suspendeu qualquer contato com a imprensa. Laura de Souza se limitou a apresentar seu posicionamento em uma nota simplificada, na qual afirma que a sua orientação sexual jamais poderá ser instrumento para colocar em cheque a sua competência. Diz ainda a professora, na gravação, que “Itabira não é uma cidade onde os preconceitos prosperam, é uma cidade acolhedora e que isso a fortalece para ter ainda mais garra, foco e força para trabalhar em prol de uma educação cada vez melhor para o município”.
O Folha Popular tentou ouvi-la pessoalmente sobre o assunto, mas por meio da Assessoria de Comunicação da Prefeitura, ela informou que não iria dar qualquer declaração para a imprensa antes de sua posse.
A Prefeitura também soltou uma nota informando receber com pesar e indignação os últimos casos de homofobia registrados no município e que reitera a importância de ampliar a discussão sobre políticas públicas direcionadas à comunidade LGBTQIA+, como forma de combater as violências por questões de gênero e/ou orientação sexual”. Na nota o prefeito ainda adiantou que a nomeação de Laura de Souza para o cargo seria mantida.
Deputado Léo Portela também se envolve na polêmica
Um dos grandes apoiadores da campanha eleitoral do atual Governo Municipal, o deputado estadual Léo Portela (PL) – foto, também veio a público e se envolveu na polêmica. Ele divulgou um vídeo nas redes sociais afirmando falar em nome dos evangélicos, exigindo que o prefeito Marco Antônio voltasse atrás em relação ao projeto de lei 10/22 e à nomeação da Laura Souza para secretária de Educação. Ele afirma no vídeo que não aceitaria militância ideológica contrária aos valores cristãos sendo responsável pelas políticas educacionais, atraindo para si grande parte das críticas.
Conselho LGBTQIA+: polêmica divide opiniões entre vereadores; gay líder comunitário faz declarações surpreendentes
Apesar de toda comoção gerada em defesa de Laura de Souza em suposto ataque homofóbico pelas interpretações dadas às declarações do publicitário Dalton Albuquerque e pela fala do vice-prefeito Marco Antônio Gomes, quando tratado de forma mais ampla, o assunto, incluindo a criação de um conselho LGBTQIA+ divide opiniões. A Câmara Municipal em peso se solidarizou com a professora e todos os vereadores discursaram contra a homofobia. Nem todos, entretanto, concordam com a criação de um colegiado para defender os interesses da classe específica.
“O projeto [que cria o conselho, PL 10/22] ainda não entrou em discussão. Precisamos analisar e ver o que ele traz antes de votar. Ele tem pontos específicos que não ficaram muito claros”, afirmou a vereadora Rosline Félix Guimarães “Rose Félix” (MDB) – Foto.
Evangélica, mãe de dois meninos, a vereadora defende a necessidade de uma discussão mais ampla do projeto antes de colocá-lo em votação.
Autora da lei que criou o Conselho de Defesa da Mulher, para representar um grupo considerado minoria, a vereadora não concorda com a criação de um conselho para cada classe tida como minoria. “Em Itabira, não temos registro de um índice de violência contra a classe LGBTQIA+ ou discriminação que justifique a necessidade de um órgão de defesa específico. Não tem indícios que impeçam que a discussão da classe seja feita em outros conselhos e órgãos que também representem a minoria, que faz trabalho semelhante”, disse, apontando a necessidade de critérios com embasamento para evitar o risco de tratamento privilegiado a um grupo, em detrimento de outros.
Também evangélico, o vereador Sidney Marques Vitalino Guimarães “do Salão” (PTB) – foto, expôs sua opinião publicamente, fazendo uso da tribuna. Embora não esteja de acordo completamente com o texto original do projeto de lei 10/22, ele afirma ser favorável ao movimento LGBTQIA+ em Itabira. O vereador lembrou que antes de se converter foi travesti e por isso é alvo de ataques preconceituosos nas redes sociais, assim como a professora Laura Souza. Na opinião dele, a comunidade LGBTQIA+ está sendo usada numa briga institucional e que toda a polêmica foi causada como distração.
Eu acho que houve uma mistura do projeto de lei com a troca de secretária e de pessoas agindo de má-fé. Isso trouxe um transtorno muito grande para a nossa cidade, tanto que fomos parar na mídia geral do Brasil. Eu também fui vítima nos últimos dias. E todos aqui conhecem a minha história. Eu quero dizer que essa briga política é interna do próprio governo. Não foi a oposição que trouxe isso, é o próprio vice-prefeito e o próprio deputado que apoia eles”.
Sidiney Marques admitiu que poderá votar favorável ao projeto, mas antes proporá mudanças no texto, por meio de emendas.
Presidente da Câmara, Weverton Vetão “Nós não podemos aceitar a intolerância” – Foto
Em uso da tribuna, o presidente do Legislativo, Weverton Leandro dos Santos Andrade “Vetão” (PSB), foi quem iniciou a sessão de repúdio aos ataques sofridos pela nova secretária de Educação. “Nós não podemos aceitar a intolerância. Eu peço licença aos senhores para me posicionar aqui em nome da Câmara para dizer que não podemos compactuar com nenhum tipo de preconceito, seja por causa de cor, de raça, de crença, orientação sexual. Não podemos admitir isso”, ponderou Weverton Vetão.
Outros vereadores também se manifestaram durante a reunião ordinária do Legislativo.
- O povo fala
O assunto foi parar na boca do provo. Um posicionamento que surpreendeu foi do líder comunitário Philemon Andrade “Filé”. Apesar de ser gay declarado, o anúncio de uma lei criando um conselho para defender as causas LGBTQIA+, causou sua indignação. Desconfiado, o representante comunitário aponta oportunismo e interesses políticos por trás da proposta. Todas as minorias, ele sugere, poderiam ser representadas em um único conselho. A criação de um conselho específico para a causa LGBTQIA+ é vista por ele como privilégio.
Philemon sugere aos vereadores pesquisar o que quer dizer o “mais” na sigla LGBT – Foto
“Essa questão da secretária foi oportunismo que juntaram com essa lei aí e criar um problema. O que todos têm que entender é que o preconceito não é exclusivo dos gays. Não são só os gays que sofrem preconceito. Os gordos, os gays, os negros, os pobres. Então, não tinha que ter um conselho exclusivo. A gente não pode dividir a sociedade, o cristão, o evangélico”, alegou.
“Isso foi uma jogada política de Marco Antônio usando a Laura para gerar este tipo de situação e conseguir o que ele quer, que é aprovar o projeto. Mas acredito que o objetivo dele mesmo nem é a aprovação deste projeto e sim o subsídio dele”, disse, apontando para os recursos disponibilizados pelos governos Estadual e Federal aos colegiados.
Filé ainda sugere aos vereadores pesquisar o que quer dizer o “mais” na sigla que representa o movimento antes de votarem o projeto de lei.
Já as estudantes Ana Beatriz Oliveira e Marli Cristina Silva têm posicionamento contrário e pedem respeito às pessoas que se identificam no momento LGBTQIA+. “É uma vergonha esse povo que fica misturando religião com política. Deus é amor e eles ficam aí, pregando o ódio”, disse, lembrando que a Laura Souza precisa ser vista pela capacidade dela e não pela vida sexual dela”.
Gustavo André Neves também condena o comportamento das pessoas que se posicionam contrários aos que homossexuais. “Não entendo porque tanta resistência e tanto ódio por uma pessoa que tem gênero diferente. Estou ouvindo diversas vezes dizendo orientação sexual, opção sexual. Mas ninguém escolheu ser gay ou hétero. A pessoa é. Isso, porém, não interfere na sua capacidade.
Projeto foi lido na reunião do dia 22 e aguarda discussões nas comissões permanentes da Câmara
O Projeto de Lei 10/22 que cria o Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ foi enviado à Câmara Municipal pelo prefeito Marco Antônio Lage (PSB) e lido na reunião plenária realizada no salão paroquial do distrito de Ipoema, no dia 22 de fevereiro, mas ainda não foi colocado para discussão das comissões permanentes.
Matéria publicada na edição impressa 753 do Folha Popular
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