Heraldo vence nova queda de braço com o Governo Municipal

Heraldo Noronha foi eleito pela primeira vez em 2016 e reeleito em 2020 com 1.391 votos

“O prefeito tem que saber que os vereadores não são pochetes para conduzir da maneira que ele quer”

11/12/2023 – Depois de sofrer ameaça de cancelamento, de ser insultado por um púbico raivoso apoiado pela Prefeitura e de tomar conhecimento até de uma conversa de bastidores ameaçando seu mandato, o presidente da Câmara Municipal de Itabira, Heraldo Noronha Rodrigues (PTB), não se deixou abalar e ainda venceu, talvez, a queda de braço mais pesada que já travou contra o prefeito Marco Antônio Lage (PSB). A briga começou depois que o prefeito enviou para a Câmara os projetos de lei referentes ao plano de cargos e salários e do estatuto dos servidores. Ainda que numa luta solitária, ex-sindicalista que é, Heraldo Noronha estava decidido a não deixar ninguém para trás. A exigência era que todas as categorias fossem beneficiadas pelas novas propostas que regem os direitos dos servidores, defendidas por meio de emendas da base oposicionista. Depois de duas votações extraordinárias, uma na sexta-feira (1º) e outra em pleno domingo (4), às 10h, os projetos foram aprovados com as devidas emendas que garantiram os benefícios reivindicados.

Heraldo, muitos servidores e até vereadores aliados não gostaram da sua atuação frente à tramitação dos projetos que tratam da vida financeira dos servidores, mas parece que isso não te intimidou, certo?
Este plano de cargos e salários, como a gente sabe, muitas pessoas que tiveram uma condição melhor estão satisfeitas, aí automaticamente eu sabia que eu teria retaliação. Quando a gente mexe, por exemplo, com professores, que estão sendo beneficiados merecidamente, já dá para prever o tamanho do problema. Só que tem o outro lado que não está sendo beneficiado. Está sendo excluído. Que são as cantineiras, auxiliares de creches, têm os atos probatórios, têm os outros atos, então são muitos sendo excluídos.

O prefeito conseguiu dividir os servidores de forma desnecessária”

E qual sua intenção com isso tudo?
O que eu estou buscando é um resultado também satisfatório, de inclusão para aqueles que estão sendo excluídos. Que não estão sendo vistos nem como servidores, apesar dos seus direitos, de terem prestado concurso e de trabalharem muito. Elas (as cantineiras) trazem muitos benefícios para os alunos. Elas fazem parte da Educação. Imagine uma escola sem cantineira. Muitos alunos saem de casa sem ter forrado o estômago. Tem cantineira que planta horta nos fundos da escola para a merenda ficar melhor. Mas não são apenas os alunos que são beneficiados. Quantos professores saem de casa sem nem ter tomado um café, que não têm tempo, e as cantineiras atendem com todo carinho. Então queremos que todos sejam contemplados pelo plano. Além do plano de cargos e salários, nós temos o estatuto do servidor que é muito importante para nós.

“Eu nunca tinha visto isso. Uma secretária de Educação incentivar greve, isso é inédito no nosso país”

Então são dois projetos em meio a esse dilema?
Sim. Um é o plano de cargos e salários e o outro o estatuto do servidor. A gente fica olhando o estatuto do servidor e tem várias coisas lá que está dando a entender que está prejudicando o servidor. O próprio prefeito entendeu isso quando as cantineiras estavam recebendo menos que um salário mínimo na carteira. Para atingir o mínimo, era feita uma complementação por fora. Com muita conversa, a gente conseguiu que o Executivo incluísse aquela complementação no salário. Com isso, as cantineiras, que ganhavam menos que o salário (mínimo), passaram a ganhar R$ 1.686,00. O Executivo disse que o salário atual hoje era de R$ 1,6 mil, mas no projeto foi colocado R$ 1.320, ou seja, não foi dado nada para essa classe. A gente quer que o salário base desses servidores seja de R$ 1.800 e alguma coisa e registrado no estatuto, assim, quando vier um aumento do Governo Federal, eles o receberão e não terão perda.

O argumento do governo é de que um aumento desses possa inviabilizar a folha de pagamento?
É o que disseram, mas são poucos os servidores nessas condições. Nós temos 70 merendeiras e uns poucos auxiliares de creches e outros técnicos que recebem o valor do salário mínimo no serviço público.

“Não sou contra o vereador se aliar ao prefeito. Mas tem vereador aí que até quando chove agradece o prefeito”

O senhor disse que o prefeito tinha informado que o projeto contemplava esses servidores em minoria com o piso de R$ 1.600.
O prefeito falou que o estatuto contemplava as cantineiras, as auxiliares de creches e todos com salários menores e que havia estabelecido o piso acima do salário mínimo oficial do Brasil. Mas quando fomos estudar o projeto vimos que essas classes não foram beneficiadas. A correção que foi feita, foi apenas de constar no estatuto o salário mínimo no valor de R$ 1.320. O discurso do prefeito é um e no documento o salário é outro.

A criação de um piso acima do salário oficial, na sua opinião, compromete o Orçamento Municipal?
De jeito nenhum. Na Prefeitura tem servidores recebendo R$ 10 mil, R$ 20 mil de salário. O que compromete a folha é a quantidade de cargos comissionados. Esses cargos têm salários de mais de R$ 3 mil e até R$ 10 mil. Agora o servidor pequeno não compromete a folha. Quem compromete são os comissionados.

“Outro dia, compraram armários por ata, por R$ 4 mil. O mesmo armário em Itabira sai a R$ 2 mil”

Ao brigar para não deixar ninguém para trás, o senhor se envolveu em um verdadeiro paradoxo, já que o político depende da aprovação da maioria, neste caso, os professores, que tinham pressa da aprovação dos dois projetos.

Sim. Os professores são maioria. Eu não estou discriminando os professores. Eu nunca disse que era contra o aumento para eles. Eu sei que o aumento pra eles, todos os benefícios, são merecidos. Em nenhum momento fiquei contra eles. Minha luta é para que os menos favorecidos também fossem beneficiados. Temos que lutar por todos. Mas com isso tive desgaste e não foi pouco. Muitos gritaram, ‘não vai voltar’, ‘não vai ser re-eleito’. Os vereadores me pressionam. Mas não adianta, porque o meu consciente não vai ficar em paz se eu não lutar por essa classe que ficou de fora. Não precisa ser muito. O que estamos pedindo para eles é pouco. Queremos um piso e que seja corrigido pelo INPC para reduzir perdas e pelo menos acompanhar a inflação.

O senhor tem consciência de que sua decisão pode comprometer sua reeleição?
Eu tenho sim. Já fomos muito chicoteados. Os professores soltaram que iriam fazer greve por minha causa, mas na verdade eles estavam anunciando greve por causa da secretária de Educação (Laura Souza).

Para o senhor, então ela incentivou os professores a fazerem greve?
Todo mundo viu isso. Ela publicou um vídeo nas redes sociais incentivando os professores a pararem as escolas. Eu nunca tinha visto isso. Uma secretária de Educação incentivar greve, isso é inédito no nosso país. Isso não tem em lugar nenhum do mundo. Isso é irresponsabilidade, uma secretária apoiar parar as aulas. Isso aí é quase que um crime que estão cometendo contra as nossas crianças.
Mas o senhor sabe que a greve é um direito do trabalhador. Neste caso seria diferente?
O que está acontecendo é uma manobra política. Ela tinha que ser exonerada por isso. Se fosse uma pessoa subordinada a mim, seria. Mas tenho certeza que o Ministério Público ficou sabendo e vai pedir explicação para isso. A gente já participou de vários acordos coletivos. O patrão tem que ser aberto a negociação. O Executivo tem que ser aberto a escutar os servidores. Isso aí é uma negociação. Essa negociação do plano é igual à negociação de acordo coletivo. Tem que ouvir a todos, os que estão recebendo e os que estão se sentindo injustiçados. Colocamos emendas para ser aprovados (os projetos). Garantindo ganhos para quem não havia sido contemplado e emendas pedindo para a Prefeitura pagar o retroativo ao mês de novembro ou a 1º de outubro, que foi quando os projetos chegaram a esta casa.
E por falar em desgaste, existe uma conversa de bastidores que há uma movimentação para cassar o seu mandato. Você está sabendo disso?
Ficaram inconformado com o meu direcionamento diante dessa mobilização que aconteceu para votação do plano de cargos e salários. Os vereadores ficaram com medo. Mas se eu tiver algo de errado, podem cassar sim. Mas eu não estou fazendo nada de errado. Eu estou buscando o melhor para todos.
“Se o prefeito fosse mandar aqui não precisaria enviar projetos para a Câmara, poderia resolver tudo lá”, avalia Heraldo em relação a tentativa de interferência da Prefeitura nas ações do Legislativo
Há rumores de que vão te processar alegando autoritarismo e de atropelar a democracia?
Aqui é democracia mesmo. Eu fui eleito para a presidência pela maioria. Eu fui eleito para representante. Nove dos 17 vereadores votaram em mim. Então eu sou a maioria e quando me colocaram na presidência, eles já confiavam em mim para as decisões que cabem ao ocupante deste cargo e só o presidente tem a prerrogativa de fazer a pauta. O que vai entrar em pauta é prerrogativa do presidente. Então eles podem fazer assinatura de tudo, mas a prerrogativa continua sendo do presidente. Mesmo o povo querendo botar pressão, temos um Regimento Interno para cumprir e guiar os trabalhos. E eu continuo dizendo que quem funciona sob pressão é pneu e eu não sou pneu. Eu tenho consciência do que eu estou fazendo.

“E eu continuo dizendo que quem funciona sob pressão é pneu e eu não sou pneu”

Como fica a relação agora entre presidente e prefeito?
A gente pode ter as diferenças, mas uma coisa é certa, temos que respeitar o prefeito. Ele está ali porque foi colocado no cargo pela maioria. Mesmo sabendo que ele diz uma coisa e faz outra, para tirá-lo de lá, tem que ser uma coisa muito grave. A gente sabe que o prefeito tem prerrogativa de mandar alguns projetos para esta casa com pedido de urgência e temos que atender, mas são poderes independentes. Ele tem que saber que os vereadores não são pochetes para conduzir da maneira que ele quer. É preciso respeito. Eu entendo que tem vereador que tem interesses em facilitar para o prefeito, que tem muitos cargos lá (na Prefeitura) e é até bom que tenham. Mas eles não podem trocar isso pela autonomia dos votos que receberam na urna. O vereador foi eleito para representar o povo. Se o prefeito fosse mandar aqui não precisaria enviar projetos para a Câmara, poderia resolver tudo lá.

Depois de muitos embates, o senhor decidiu colocar os dois projetos para votação em sessões extraordinárias. O que mudou?
Nas discussões, conseguimos acrescentar as emendas para atender a minoria que estava de fora dos benefícios. A gente precisava desse desgaste para mostrar para a população quem realmente está do lado dos menos favorecidos. Esse movimento mostrou também para os professores que eles são uma parte do processo. Que as escolas não funcionam sem os professores, mas não funcionam sem os alunos, sem as merendeiras, sem os cantineiros, os técnicos da administração.

E qual a garantia que o senhor teve desses vereadores de que as emendas seriam aprovadas?
Eles (a bancada governista) reuniram com o governo. Fiquei sabendo que o governo pediu para votar contra as emendas, mas nossa esperança era que os vereadores tivessem consciência.

Mudando de assunto, o senhor já anunciou sua mudança para o PT. O prefeito também se diz aliado do Partido dos Trabalhadores. Mas vocês têm um posicionamento bem divergente. Como ficam então nas eleições?
Eu sou petista, gosto da ideologia petista. Ele declara que está com o PT, mas como pode isso se o PT defende a minoria e ele está sempre contra. Você vê isso nesse plano de cargos e salários. Ele diz sempre que quer fortalecer as empresas de Itabira, mas traz as empresas de fora para prestar serviço em Itabira. Não deixa as empresas de Itabira nem sequer participar de uma concorrência pública, já buscam em atas de fora. Tem hora que eu penso que é demagogo ou se está esquecendo do que ele prega.

Já denunciado exaustivamente pela Câmara Municipal, a carona em atas de outras cidades, embora legal, está inviabilizando as empresas locais?
Nossa senhora. Nós temos tantas empresas de móveis aqui em Itabira que ele buscou empresas de fora para mobiliar a Prefeitura. Ele sequer deixou as empresas da cidade participar. A mesma coisa aconteceu com o fornecimento de uniformes. São mais de R$ 100 milhões que deixaram de ser injetados na economia local nesses três anos de governo. Até a empresa de asfalto está trazendo de fora. Outro dia ele comprou armários por ata. Cada armário está saindo pelo preço de R$ 4 mil e aqui em Itabira o mesmo armário nas lojas está saindo a R$ 2 mil. Estamos vendo absurdos. Dispensou o presídio, não fez nada pela Unifei. A Unifei é um braço para a nossa diversificação econômica. Já deveríamos estar com 10 mil alunos no campus, mas ele cortou os investimentos.

Quais são seus planos para a política?
Eu pretendo continuar sendo vereador mesmo e a gente não tem pretensão maior. Eu represento muito os menos favorecidos. A gente tem aquela afinidade maior com eles. Eu sou de um bairro humilde, a minha família é humilde. São pessoas que sempre tiveram um carinho comigo e a gente quer retribuir atendendo todos que estão na mesma condição.

Qual seu plano de trabalho?
O que a gente quer é uma Itabira menos dependente da Vale. Que a gente consiga colocar aquele terreno da fazenda Palestina para atender o município, que Itabira tenha condições de receber novas empresas. Se vier qualquer empresa hoje para Itabira, nós não temos preparação nenhuma, não temos como receber. A situação da água é preocupante. Daqui uns dias teremos que ficar um dia com água e quatro sem. Olha a irresponsabilidade que aconteceu recentemente. A água foi fornecida contaminada e só foi tomada uma providência quando o contribuinte bateu o pé e brigou.

Neste caso, qual o papel da Câmara?
A doutora Rose [vereadora Rose Félix] está fazendo um grande trabalho. Já discutiu com o povo em audiência pública e agora aprovou a instauração de uma CPI que vai investigar o problema, o que poderá ampliar o debate em torno da questão e propostas para solucionar o problema.

“Mas se eu tiver algo de errado, podem cassar sim. Mas eu não estou fazendo nada de errado”

E o que cabe ao povo nesta situação?
O povo tem que cobrar do vereador que não seja massa de manobra, independente do posicionamento político dele. Não sou contra o vereador se aliar ao prefeito, ter suas indicações. Mas tem vereador aí que até quando chove agradece o prefeito.

A saúde não está nada bem em Itabira?
A Câmara tem cobrado muito essa questão da saúde. A saúde tem falhado muito, mas não é por falta de dinheiro, e sim por falta de gestão. Foram destinados para a saúde de Itabira R$ 230 milhões. Quantas cidades no porte de Itabira têm esse recurso? Um orçamento dessa magnitude não é fácil e a gente vê a saúde sucateada. A pasta precisa ser ocupada por pessoas da cidade, que conhecem a realidade local, como a Fabiana [Lima; servidora de carreira da Secretaria da Saúde da Prefeitura], que está ocupando o cargo interinamente, que mora na cidade. Que tenha condições de atender um chamado a qualquer momento. Ela tem que saber onde é o Gabiroba, onde fica o Fênix. Ela tem que saber que Itabira tem uma comunidade que se chama Bateias. Tem que conhecer as necessidades da população em saúde.