*Por Sérgio Santiago
Os títulos públicos federais são considerados os mais seguros investimentos do Brasil, levando em conta que o risco de calote é mínimo (risco de crédito). Ao comprar títulos públicos (Tesouro Direto), o investidor pessoa física empresta dinheiro ao Governo Federal na esperança de receber o valor acrescido de juros em data futura.
Há diferentes tipos de títulos negociados no Tesouro Direto: os prefixados, que pagam uma taxa fixa de juros; os indexados à inflação (IPCA+), que pagam a inflação do período mais um percentual fixo; e o Tesouro Selic, conhecido como título pós-fixado, que rende basicamente a taxa Selic.
Todos têm um prazo de vencimento, data na qual o investidor recebe seu dinheiro de volta devidamente corrigido. No caso dos papéis prefixados e indexados ao IPCA, o resgate antecipado do investimento pode resultar em prejuízos ou lucros, dependendo de como se movimentam as taxas de juros futuros.
Mas não é renda fixa?
O que algumas pessoas não sabem é que os títulos de renda fixa do Governo Federal só são fixos para quem os carrega até o vencimento. Para quem vende antecipadamente, as oscilações nos preços se parecem bastante com a renda variável.
Isso ocorre por causa da chamada “marcação a mercado”, ou seja, quanto os títulos valem quando são negociados no mercado secundário. Quando os juros sobem, o preço dos títulos do Tesouro Direto caem. Quando os juros caem, o preço dos títulos sobem. A relação é sempre inversa.
Portanto, se você compra um Tesouro Prefixado ou Tesouro IPCA+ e os juros caem, seu título valerá mais e a venda antecipada pode resultar em ganhos turbinados. Se os juros sobem, seu investimento vale menos e pode resultar em prejuízo. Mas isso só ocorre se o resgate acontecer antes do prazo.
E por que o Tesouro Selic caiu?
Quem tem mais familiaridade com o mercado de capitais sabe que é possível especular com títulos públicos prefixados e híbridos (IPCA+), assim como os traders fazem no mercado de ações. Mas a regra não era considerada para o Tesouro Selic, indicado pelos especialistas como um excelente ativo para a reserva de emergência.
Como o Tesouro Selic é “pós-fixado”, o rendimento deveria ser sempre positivo, independentemente do prazo de resgate. Mas um detalhe passava despercebido: o ágio/deságio, aquele pequeno percentual fixo somado à taxa Selic.
Nas últimas semanas, vários investidores ficaram espantados ao abrir o extrato da corretora e ver o Tesouro Selic com rendimento negativo. Por que isso ocorreu?
“Na prática, embora o Tesouro Selic seja classificado como um título pós-fixado, ele tem grande parte do rendimento pós-fixado e uma pequena parte do rendimento prefixada, ou seja, Selic + taxa prefixada”, explicou o especialista em educação financeira e autor de vários livros sobre finanças e investimentos, Leandro Ávila, em artigo publicado no site Clube dos Poupadores.
Ávila afirmou ainda que, quando a Selic estava a 14% ao ano, o efeito do deságio (o pequeno componente prefixado somado à Selic) fazia pouca diferença na marcação a mercado do Tesouro Selic. Mas com a Selic a 2% ao ano, a situação é bem diferente.
Ocorre que houve um estresse no mercado de títulos nos últimos dias devido às incertezas quanto à política fiscal do Brasil. Dúvidas sobre a equipe econômica, o programa Renda Cidadã, o teto dos gastos, a inflação e os efeitos da pandemia. Isso elevou as expectativas de aumento de juros futuros que, como vimos, andam na contramão do valor dos títulos públicos.
E como fica a reserva de emergência?
A variação negativa do Tesouro Selic foi pequena e não ocorria há pelo menos 18 anos. Diante disso, surgiu a pergunta: se os juros futuros continuarem subindo, como fica a reserva de emergência? Afinal, se é reserva para ocasiões inoportunas, o dinheiro precisa estar disponível a qualquer momento sem risco de prejuízos.
Se os pequenos movimentos da marcação a mercado no Tesouro Selic preocupam, há outras alternativas, como CDBs (empréstimo a instituições financeiras) de bancos sólidos que paguem pelo menos 100% do CDI e tenham liquidez diária. Como a taxa Selic e CDI são irmãs gêmeas, a rentabilidade é praticamente igual.
Como é possível perceber, os pequenos detalhes fazem a diferença na hora de escolher onde colocar o dinheiro. A busca por conhecimento sobre o mercado e a dinâmica de funcionamento (inclusive dos investimentos de renda fixa) precisa ser constante para evitar surpresas desagradáveis.
*Relações públicas, ex-repórter do Folha Popular e ex-editor no grupo de Fato. Acredita que a educação financeira tem o poder de mudar para melhor o futuro das pessoas