“Eu estava sentado dentro do restaurante. Muitos colegas não conseguiram (sair). Minha equipe de manutenção morreu toda, praticamente”. Esse depoimento dramático do técnico em mecânica Edivaldo Moreira, trabalhador da mineradora Vale S/A, foi ouvido pela Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social, em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quinta-feira (11/7/19).
Edivaldo Moreira é exemplo de diversos casos de funcionários da Vale que escaparam do rompimento da Barragem B1, na Mina Córrego do Feijão, em 25 de janeiro, mas vêm sendo obrigados pela empresa a atuar no apoio à busca dos corpos, ou partes de corpos, de seus companheiros que faleceram na tragédia. Averiguar esse desvio de função foi o objetivo da audiência pública, requerida pela deputada Beatriz Cerqueira (PT).
“Tivemos um colega nosso que estava operando uma máquina e ele partiu o corpo de um colega de trabalho”, afirmou Vander da Silva Bento, também funcionário da Vale que atua na função de orientador operacional, já tendo inclusive realizado treinamento aos bombeiros que atuam na busca aos corpos.
O operador de máquinas que partiu o corpo de um trabalhador falecido, segundo Vander, já estava tomando remédios para atenuar o sofrimento psicológico decorrente da tragédia. Depois do que aconteceu na busca, foi afastado da atividade e substituído.
De acordo com o depoimento dos trabalhadores, advogado e representantes do Ministério Público, ouvidos nesta quinta, esse desvio de função dos trabalhadores, no apoio à busca de corpos, vem ocorrendo sem que os operários da Vale recebam treinamento, equipamento, medicação, alimentação e higienização adequados, comparáveis aos que os bombeiros recebem para atuar no mesmo ambiente, a chamada “zona quente”, que foi inundada pela lama de rejeitos de minério.
“Ficamos sabendo que oito cachorros do Corpo de Bombeiros de Goiás foram contaminados com chumbo e alumínio”, afirmou Edivaldo Moreira, segundo quem os bombeiros também estão sendo examinados. Como técnico em mecânica, ele trabalha na manutenção das máquinas que são necessárias para remover a lama, a fim de viabilizar a busca de corpos.
Questionado pelo presidente da Comissão do Trabalho, deputado Celinho do Sintrocel (PCdoB), Edivaldo Moreira afirmou que os trabalhadores da Vale que atuam na zona quente não têm acesso ao refeitório criado para os bombeiros, não recebem a medicação e vacinas que eles recebem, nem o treinamento. Voltam ao trabalho por medo de perder o emprego.
O técnico em mecânica vem tomando medicação controlada em decorrência do trauma psicológico. No exame com a equipe médica da Vale, antes de voltar ao trabalho, ouviu que poderia ficar em casa, mas só poderia contar com o pagamento da Previdência Social, o que reduziria seus ganhos. “Se você quiser ficar em casa, vai ficar pelo INSS”, ouviu. Edivaldo não concordou e decidiu voltar ao trabalho.
A deputada Beatriz Cerqueira destacou a importância dos depoimentos dos trabalhadores, que segundo ela serão considerados no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem de Brumadinho, criada pela ALMG. Ela convidou outros trabalhadores a colaborarem com a CPI, inclusive em reuniões reservadas, sem divulgação.
Sindicato reivindica melhores condições de trabalho e estabilidade
De acordo com o advogado Luciano Pereira, que representa a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativas do Estado de Minas Gerais (Ftiemg), uma audiência de conciliação já aconteceu em 9 de julho, na 5ª Vara do Trabalho de Betim (Região Metropolitana de Belo Horizonte), para discutir especificamente a situação desses trabalhadores da Vale que são obrigados a participar da busca dos corpos de seus colegas.
Luciano Pereira afirmou que, nessa audiência, a Vale concordou em excluir do apoio à busca de corpos os trabalhadores que estavam na mina no dia do rompimento, desde que eles solicitem isso. Outras reivindicações, no entanto, foram apresentadas à empresa, que tem prazo até o dia 16 de julho para responder.
Entre elas, está a suspensão provisória das “atividades penosas e insalubres” impostas aos trabalhadores no apoio à busca de corpos; redução da jornada dos trabalhadores que atuarem nessa função de oito para seis horas; tratamento isonômico com os bombeiros militares que atuam na busca (inclusive no que se refere à alimentação, vacinação e escala de trabalho); manutenção do pagamento aos trabalhadores afastados e pagamento de uma indenização aos trabalhadores da Vale ou suas famílias, equivalente ao que é destinado aos moradores de Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte) que perderam as condições de exercer sua atividade profissional.
Estabilidade – Outra questão destacada pelos participantes da audiência pública é a garantia de estabilidade no emprego para os trabalhadores da Vale. Até agora, segundo o advogado Luciano Pereira, a Vale só garante a manutenção dos empregos de seus funcionários até dezembro de 2019, acenando com a possibilidade de estender esse prazo apenas até abril de 2020.
A procuradora do Trabalho Luciana Coutinho, que atua no grupo especial criado pelo Ministério Público para cuidar do caso do rompimento da barragem de Brumadinho, disse que a instituição reivindica um mínimo de três anos de estabilidade para os trabalhadores da Vale que atuam na Mina Córrego do Feijão.
Um dos argumentos do Ministério Público é que os três anos de estabilidade são uma equiparação devida com os 36 meses de benefício financeiro que a Vale está pagando aos moradores de Brumadinho e região que perderam a condição de exercer sua atividade produtiva, em decorrência do rompimento da barragem.
Também integrante do grupo especial do Ministério Público, a procuradora do Trabalho Sônia Gonçalves salientou a impressão que a equipe teve em inspeção realizada na Mina, em 26 de junho. “O que nos impressionou foi o grau de sofrimento em que esses trabalhadores se encontram”, declarou.
A coordenadora do Fórum Sindical e Popular de Saúde e Segurança do Trabalhador (FSPSST), Marta de Freitas, afirmou que só a retirada imediata dos trabalhadores da Vale que atuam no apoio à busca de corpos é adequada, diante da situação psicológica desses funcionários.
Já o coordenador da Rede Nacional de Barragens, Eduardo Armond, chamou atenção para o fato de que esse uso de operários de mineradoras na busca de corpos de colegas não é uma situação inédita. “Os (trabalhadores) terceirizados da Samarco atuaram no apoio às buscas em Mariana”, lembrou Armond, referindo-se ao rompimento da barragem de Fundão, naquele município da Região Central, em novembro de 2015. Essa barragem era responsabilidade da mineradora Samarco, controlada pelas mineradoras Vale e BHP Billiton.
FONTE: ASSEMBLEIA DE MINAS