Fala é da promotora de Justiça Giuliana Talamoni sobre Ação Civil Pública contra Vale
- Foto: dono de residência mostra aos técnicos parede trincada devido a obra da mineradora
7/12/2024 – Na noite da última quarta-feira (4), a promotora de Justiça Giuliana Talamoni Fonoff se reuniu com as pessoas atingidas pelas obras de descaracterização e descomissionamento do Sistema Pontal, em Itabira. O encontro, organizado pela Assessoria Técnica Independente, da Fundação Israel Pinheiro (ATI/FIP), atendeu à expectativa dos moradores dos bairros Bela Vista, Nova Vista, Jardim das Oliveiras e Praia, que integram a Ação Civil Pública, movida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), contra a mineradora.
“É essencial ouvir diretamente a voz dos moradores e da população. Além de enriquecedor, é convincente. A gente acompanha tudo o que eles estão passando por meio dos relatórios e notas técnicas da ATI/FIP. Porém, quando ouvimos as pessoas expressarem seus sentimentos, conseguimos entender melhor toda sua vivência. Apesar desses encontros não acontecerem sempre, eu entendo como muito importantes”, explicou Giuliana Fonoff.
Reunião com moradores na quarta-feira (4)
Durante a reunião, a promotora relembrou o início dos trabalhos em Itabira e falou sobre as tentativas de negociação com a Vale, que precederam a Ação Civil Pública (ACP) movida pelo MPMG. Ela detalhou que, ao longo de um ano, o Ministério Público tentou conversar com a mineradora de diferentes maneiras, sem sucesso. Giuliana Fonoff explicou que, apenas depois de esgotarem as tentativas de diálogo, o MPMG elaborou a ACP, baseada na Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB). “Essa foi a primeira ação, em Minas Gerais, a usar a lei dos atingidos. Os pedidos foram baseados em todos os danos envolvendo as obras de construção das Estruturas de Contenção à Jusante (ECJ 1 e 2) e o descomissionamento do Sistema Pontal. Foi feito um pedido ao juiz, de forma técnica, solicitando a reparação dos danos e a chegada da Assessoria Técnica Independente.
A lei determina que todas as pessoas que sofrem danos precisam ser reparadas integralmente, e a sentença confirmou isso”, detalhou.
“A mineradora fala muito de como será a Vale do futuro, porém, infelizmente, ela ainda carrega muitos defeitos do passado porque, em nome do seu poderio econômico, ela se coloca acima da lei”
Ela pontuou que o processo é bastante complexo, devido a proporção dos impactos, mas que o caminho está sendo trilhado mesmo que ainda haja muito a se percorrer. Giuliana Fonoff aproveitou para relembrar que as pessoas atingidas em Itabira já contam com uma sentença a seu favor. “Houve uma resposta positiva do judiciário. Agora, precisamos comprovar que os danos aconteceram, qual momento e valorá-los. É um processo demorado, mas a equipe da ATI/FIP está em campo para auxiliar na construção e produção de provas. Se não levarmos um bom trabalho ao juiz, apresentando todas as provas de forma eficaz, ele pode negar as ações de reparação e perdemos a oportunidade”, frisou.
Em sua fala, a promotora fez questão de deixar claro que tem ciência dos erros e transtornos causados pela mineradora; e reconheceu a falta de acesso a informações, por parte da empresa. “De fato, a gente está de lados opostos. Nós tivemos que entrar com uma ação para conseguir avançar. A ATI/FIP, por exemplo, só iniciou os trabalhos porque o juiz determinou. Caso contrário, a Vale não arcaria com esses custos. Há uma conversa sempre muito respeitosa, mas também muito difícil. A gente vai caminhando a passos bem pequenininhos e, mesmo assim, consigo entender que houve uma grande evolução. A complexidade do processo, como um todo, gera muitas dificuldades, mas mesmo assim a gente tem avançado”, acenou.
Morador aponta para as obras que estão trazendo transtornos
Para Péricles Mattar, coordenador da ATI/FIP, há sempre uma expectativa de que a Vale demonstre um respeito maior pela população atingida de Itabira, já que a cidade é o berço de criação da empresa. “Estamos tentando estabelecer uma relação de diálogo com eles, por meio da ação do MP que promove encontros mensais entre os representantes da mineradora, da ATI/FIP e das pessoas atingidas, discutindo o que precisa ser melhorado. Porém, a primeira ação da Vale é sempre negativa. A gente precisa tentar evoluir nisso para o trabalho avançar”.
Ele reforça que o trabalho da Assessoria Técnica é ajudar a fazer o cumprimento da Política Estadual dos Atingidos por Barragem. “A mineradora fala muito de como será a Vale do futuro, porém, infelizmente, ela ainda carrega muitos defeitos do passado porque, em nome do seu poderio econômico, ela se coloca acima da lei. Porém, um dos papéis da ATI/FIP é contribuir, de maneira alinhada com o Ministério Público, em prol da reparação das pessoas atingidas”.
Tradicionalidades, remoções e saúde dos atingidos
A reunião pública, com presença de mais de 120 pessoas, contou ainda com a presença de Jonas Vaz, representante do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça, Apoio Comunitário, Inclusão e Mobilização Sociais (CAO-Cimos), do Ministério Público. Durante a reunião, ele explicou sobre o apoio técnico dado a pessoas atingidas, desde 2021, e citou outros territórios que contam com a Cimos para ajudar a balizar os parâmetros de reparações.
Além de participar do encontro e responder a uma série de dúvidas, Jonas realizou outras atividades junto aos moradores dos territórios atingidos, como visitas e reuniões com grupos focais. Ele pôde conhecer de perto as realidades. “Nas conversas, tanto no território quanto nas reuniões, foi possível ver a evolução do entendimento das pessoas como ‘atingidos’. Isso é importante para o exercício do direito e para que o trabalho da ATI/FIP possa ser feito de maneira responsiva para atender o interesse da comunidade. Na visita de campo, foi possível entender os processos históricos de remoção pelas quais muitas das pessoas atingidas já sofreram, no passado, por ações da Vale. Eles conseguiram contornar isso com muita criatividade e persistência para manter esses modos de vida ativos. Mas, hoje em dia, têm esses modos de vida diariamente ameaçados”.
Jonas reitera que conversou com muitas pessoas, visitou diversas casas que estão com problemas estruturais, e que foi possível observar um trabalho de excelência técnica por parte da ATI/FIP, sobretudo na construção de elementos que a Cimos pretende utilizar para orientar a perícia. “Pude constatar, também, como essa situação de incertezas traz a suspensão de direitos. Ao ouvir algumas pessoas, percebi que há uma sensação constante de uma suspensão com relação ao andamento da vida. As pessoas pararam a vida ali, em algum momento, diante da incerteza se seriam removidas ou não. Para combater esse e outros danos, é importante que a comunidade continue sendo ouvida e se mantendo engajada nesse processo de reparação. Esse é o único caminho que a gente tem para a efetivação dos direitos da comunidade e para a garantia de que a reparação seja feita com tempo e de maneira integral para todos os danos que estão”, finalizou.