Acidente com máquina de pátio na usina da Mina Conceição, em Itabira no dia 24 de julho de 2023 (Foto: Fatos de Minas)
Terceirização e falta de gestão de risco são as principais causas, afirma sindicato
16/09/2023 – De janeiro até 1º de setembro deste ano, foram registrados nas áreas da Vale em Itabira mais de 20 mil acidentes de trabalho, um deles com vítima fatal e nove resultaram em lesões de indivíduos ou danos a equipamentos.
Os números seriam ainda maiores se todos os acontecimentos fossem notificados ao sindicato. É o que revela levantamento feito pelo Sindicato Metabase de Itabira e Região.
A precarização do trabalho, a partir da terceirização desenfreada, é apontada como a principal causa do aumento dos acidentes trabalhistas.
“Eu gostaria de frisar que um dos principais aliados dos acidentes chama-se terceirização. A terceirização escravagista que está acontecendo no Brasil pós-reforma trabalhista 2017 possibilitou que as empresas terceirizassem serviços fins. Ou seja, as pessoas estão sendo contratadas a baixo custo, com uma cartilha de benefícios defasados e muitos não têm ali o treinamento e a capacidade devida ou não têm a motivação devida”, sentenciou o presidente do Metabase, André Viana Madeira.
Por se sentir desvalorizado, o trabalhador desanima com as atividades e por se ver ameaçado em perder o emprego, ele também não se sente à vontade para apontar as falhas na área de trabalho, deixando de relatar os chamados popularmente de ‘quase acidentes’.
De acordo com a lei trabalhista, toda ocorrência, independente do seu grau de gravidade, deve ser notificada ao sindicato. A notificação também serve de termômetro para a adoção de medidas de segurança, conforme explica André Viana.
Ele conta ainda que os acidentes têm três classificações, sendo o N1, o mai grave, com vítima fatal.
“A falta de gestão de risco é causa real do crescimento de ocorrências envolvendo acidentes com os profissionais”, aponta o presidente do Metabase
“É super importante o N3 ser registrado, porque quando você atua nele, você evita o N1 (com morte do trabalhador) e o N2 (lesão humana e prejuízos materiais). É super importante, porque é um alerta. Quando você registra o N3, você vai trabalhar para que ninguém tropece”, complementou o presidente da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), na área da Vale, Vander Lúcio Tomás.
A falta de qualificação para atuar na área de mineração, passa, porém, pela falta de gestão de risco, como causa real do crescimento de ocorrências envolvendo acidentes com os profissionais. “Afirmo categoricamente que os acidentes acontecem na grande maioria por falta de gestão de risco das empresas, que não olham iluminação, não olham mão de obra correta, que praticam terceirização escravagista, que não têm aí uma chefia, que não sabem dialogar para aceitar o direito de recusa”, diz André Viana.
Os terceirizados são os que estão mais expostos a acidentes. As empresas, afirma o sindicalista, têm terceirizado as atividades mais perigosas, fato agravado pela constatação de que as contratadas dificilmente têm planos de prevenção bem elaborados. “A contratante tem mais capacidade de mudar o ambiente de trabalho do que a empresa contratada para prestar um serviço pontual”, explica.
André Viana reconhece, porém, que esse não é o único fator responsável pelos acidentes. São várias as causas relacionadas. Quando elas são analisadas, é feita uma investigação para encontrar o motivo do acidente. A notificação, inclusive dos quase acidentes, vai garantir que aquela causa seja eliminada e não aconteça mais reincidência.
O trabalhador também tem sua parcela de culpa no problema. Tem muita imprudência entre eles, sendo que alguns se recusam inclusive a usar o equipamento de proteção individual (EPI) e o equipamento de proteção coletiva (EPC), ou não usam corretamente. Tem aqueles ainda que não respeitam normas de segurança, como não falar ao celular durante a execução de tarefas.
Ao mesmo tempo, o sindicato orienta que a aprendizagem que se dá através de treinamentos técnicos e comportamentais visa possibilitar posturas e práticas seguras e o desenvolvimento de uma consciência de segurança, redução dos casos de acidentes e doenças ocupacionais. E, através do desenvolvimento de habilidades para a realização das atividades de maneira mais segura, aumenta-se a percepção dos trabalhadores sobre os riscos existentes no ambiente de trabalho.
Sindicato aponta que falta de gestão de risco matou operário em Itabira
Em meio às narrativas apontando as causas dos acidentes, o presidente do Metabase, André Viana, aproveitou para fazer uma denúncia. “A fatalidade com o Douglas Maycon tem a ver com erros grosseiros da Vale na gestão de riscos, apontam investigações”,
Na ocasião, foi divulgado que o acidente foi provocado pelo rompimento de uma grade de circulação, que causou a queda e a morte do operador de máquina. O laudo da necropsia apontou que ele morreu afogado.
Para André Viana (foto), faltou fiscalização da manutenção ou comunicação do problema à gerência e ao sindicato.
Um acidente na madrugada de 22 de julho deste ano, envolvendo dois caminhões fora de estrada, deixou um motorista preso às ferragens por mais de três horas na mina Periquito, em Itabira.
As primeiras informações eram de que um dos veículos apresentou possível falha mecânica e voltou de ré, batendo no outro, que seguia logo atrás. O problema mecânico nesta situação foi a causa do acidente.
Outros acidentes na região próxima a Itabira
Em abril do ano passado, uma batida entre um micro-ônibus a serviço da Vale e uma carreta deixou três pessoas mortas e 13 feridas, na MGC-120.
Também em 2022, um funcionário de ferrovia da mineradora morreu atropelado por uma locomotiva.
Direito de Recusa
Sempre que entender que está exposto a uma condição de risco grave e iminente ou sem controle adequado de riscos, ou seja, as atividades colocando a segurança e a saúde em grande risco, o trabalhador tem o aval da legislação brasileira para se recusar a fazer o serviço. De acordo com o presidente do Sindicato Metabase, ao detectar o risco, o trabalhador pode interromper as suas atividades até a eliminação do fator de risco.
O Direito de Recusa ao Trabalho inclui todos os trabalhadores. Para André Viana, esse direito é uma forma de prevenção de acidentes e de preservação da vida, possibilitando melhores condições de trabalho e segurança.
“Portanto, o trabalhador pode se recusar a exercer o trabalho em condições inadequadas e inseguras, seja pela natureza da atividade, por falta de segurança do trabalho, por risco grave e iminente, procedimentos e equipamentos inadequados, falta de treinamento, riscos dos produtos e processos de fabricação, responsabilidade social e ambiental, entre outros aspectos relacionados com as atividades de trabalho”, afirma o sindicalista. Mas para exercer o seu direito, o trabalhador precisa comprovar o risco. André Viana orienta que é isso é fácil. A documentação é importante para evitar que o empregador aplique punições inadequadas.
Como recorrer ao Direito de Recusa ao Trabalho
Registre com fotos a situação e apresente ao empregador as condições da atividade que está sendo exercida;
Repasse a situação aos seus colegas, caso algo aconteça, eles podem ser testemunhas;
Elabore um relatório detalhado, repasse ao seu superior hierárquico e peça para que ele assine.
Em alguns casos, os superiores sequer têm o conhecimento das condições de trabalho.
Se coloque à disposição para retomar a atividade quando as condições forem seguras ou os riscos sejam eliminados completamente.
Metabase garante anonimato em denúncias de irregularidades na empresa
O trabalhador que detectar qualquer irregularidade ou desrespeito aos seus direitos trabalhistas no setor de trabalho, deve denunciar ao Sindicato Metabase. O denunciante tem a identidade preservada, sempre que pedir. A entidade disponibiliza diversos meios para isso, segundo informa.
O presidente da entidade, André Viana, explica que o sindicato tem poderes para defender os direitos do trabalhador, mas esses poderes são limitados. Mesmo tendo diversos representantes dentro da área, para atender as necessidades do associado, a entidade conta com a denúncia dos trabalhadores. “Eu sempre digo: paz sem voz não é paz, é medo, quando 0800 anônimo, e-mail, Instagram, Twitter, Linkedin, WhatsApp e telefone fixo são canais na sede [do sindicato] que a pessoa pode denunciar sem se identificar”.
Com a denúncia, ele afirma que o sindicato atua. “O próprio trabalhador pode ajudar e tem ajudado”.
A ajuda é indispensável para atuação do sindicato. André Viana explica que a quantidade de empregados na mineradora torna impossível a atuação do sindicato sem a participação do trabalhador. “A Vale tem 64 mil empregados no Brasil e 120 mil terceirizados. É um universo que ultrapassa no mínimo 200 mil pessoas. Claro que vai ter chefes despreparados, problema de imprudência, e essas denúncias nos ajudam.
O compartilhamento da situação ajuda que melhore ou não leve à morte. O empregado sai de casa para ganhar a vida e não perder”, destacou, lembrando que a mineração é tida como uma área de risco de grau 4, que é o risco máximo de perigo.
“Nenhum acidente deve ser enxergado ou encarado como normal. Todo acidente quando acontece é um claro dizer que algo falhou”, alertou o presidente.
- Matéria publicada na edição 793 do Folha Popular
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