Aumenta a procura por serviços para posse e porte de arma de fogo

MATÉRIA EXCLUSIVA PUBLICADA PELO FOLHA POPULAR (edição 676)

(FOTO) No estande de Tiro Voraz, de propriedade de Erivelton Bastos de Oliveira, que é licenciado pelo Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Signa), o instrutor credenciado pela Polícia federal Flávio José da Silva (esq.) e o despachante Reginaldo Henrique, ambos de Ipatinga

Após o presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinar, no dia 15 de janeiro, o decreto que facilita a posse de arma de fogo, cresce a procura por serviços de despachantes, locais para treinos e venda de armas.

Em Itabira, que registrou 21 homicídios em 2016 e outros 22 em 2017, muito acima da média estipulada por decreto com abrangência estadual, a novidade é a inauguração, no dia 2 dezembro de 2018, após liberação do Exército Brasileiro, do estande do Clube de Tiro Voraz, na região rural de Mandengo, a cerca de 10 quilômetros da área central da cidade, sentido distrito de Senhora do Carmo.

No local, que funciona de terça a domingo com agendamento prévio, além de atender os 15 associados credenciados para prática de tiros, é oferecido serviços para o candidato que deseja se armar, com a aplicação de provas teóricas sobre armas e munições e prática de tiros em alvos fixos, sob a coordenação de instrutor credenciado pela Polícia Federal em datas específicas.

Conforme o proprietário do estande, Erivelton Bastos de Oliveira, que é licenciado pelo Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Signa), para a prática de tiro esportivo, caça e coleção, o objetivo primário seria a abertura de um local para treinos e eventuais campeonatos em níveis estadual e federal.

“Pratico o tiro esportivo há cinco anos, e para treinar, tinha que me deslocar para Ipatinga ou Belo Horizonte, foi aí que surgiu a ideia de criar o Clube de Tiro Voraz, que hoje conta com 15 filiados habilitados. O processo até a licença concedida pelo Exército foi complexo, mas nos deu a possibilidade de agregar o clube a um centro de treinamento credenciado para que os interessados em adquirir a posse ou o porte de arma possam fazer as provas teóricas e práticas, seguindo normas legais. É bom lembrar que existem diferenças entre a posse e o porte de arma de fogo. A posse em residência ou em estabelecimento comercial é concedida pela Polícia Federal, já o porte para a prática de tiro esportivo ou caça é conferido pelo Exército, e é mais complexo, mas confere ao atirador mais liberdade quanto à compra de armas, munições, insumos e transporte”, diz Erivelton de Oliveira.

Quanto à divulgação, ele conta que em princípio o empenho é envolver as autoridades, como policiais e componentes do sistema judiciário, para que eles possam conhecer o espaço e participar do projeto. Erivelton revela que o convite ainda não surtiu efeito, mas diz que o número de pessoas físicas e empresários no local dobrou no início deste ano.

A reportagem do Folha Popular foi até o estande do Clube de Tiro Voraz, na manhã de domingo (20), para acompanhar os aspirantes a posse ou porte de armas de fogo.

As avaliações teóricas e práticas foram aplicadas pelo instrutor Flávio José da Silva e os serviços de despachante, assumidos por Reginaldo Henrique, ambos de Ipatinga. Os participantes pediram para não divulgar fotos faciais, por questão de privacidade.

Para se associar

Os interessados em fazer parte do Clube de Tiro Voraz, devem apresentar exame psicológico, atestado de bons antecedentes criminais e pagar uma taxa anual de R$ 650, o que dará direito a praticar tiros no estande em uma única arma fornecida pelo clube. As munições são cobradas à parte, cada uma sai a R$ 3,50. Os sócios licenciados pelo Exército podem usar o espaço com armas e munições próprias, conforme agendamento.

Para a posse

O processo de aquisição de arma permitida pela legislação é feito através do Sistema Nacional das Armas (Sinarm), controlado pela Polícia Federal. O primeiro passo é preencher um formulário específico, apresentar certidões negativas, expondo os motivos pelos quais se pretende adquirir uma arma de fogo e comprovação de não estar respondendo a inquérito policial ou processo judicial. O próximo passo é a avaliação psicológica e realização de prova escrita, onde serão avaliados conhecimentos técnicos e teóricos sobre armas e munições. No terceiro passo o candidato realiza a aula prática de tiro com instrutor credenciado, que fará as avaliações. O último passo cabe ao despachante de armas, que promoverá o acesso ao documento válido por 10 anos que autoriza a compra e transporte da arma de fogo até a propriedade.

Aula prática

Para realizar as aulas práticas de tiro, o candidato deverá apresentar exame psicológico, atestado de bom antecedentes criminais e pagar pela avaliação teórica, feita por um agente credenciado pela Polícia Federal, cerca de R$ 80, e também pelo uso de armas e munições de propriedade do agente credenciado, que atende no local em datas pré-agendadas. Conforme a arma permitida, os valores e munições ficam entre R$ 180 e R$ 240.

O teste para a posse acontece em duas seções de tiros, devendo durar 80 segundos no total, sendo 40s para o teste de tiro em alvo a cinco metros, pausa para recarga, e mais 40s para acertos em alvos a 10 metros. A quantidade de tiros depende do modelo de equipamento, revólver, cinco tiros e pistola, sete, e o nível de acerto deve ser superior a 60%. 

No total, com os serviços de despachante, estima-se que para ter acesso ao documento de posse, o interessado desembolse cerca R$ 900. Já uma arma de fogo simples, um 38 por exemplo, tem custo estimado de R$ 3,2 mil.

Armas no país

2016, ano referência para facilitar o acesso à posse, o país bateu recorde em homicídios violentos, com 30,6 mortes para cada 100 mil habitantes por estado, conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por meio do Atlas da Violência.

No ano em que foi aprovado o Estatuto do Desarmamento, em dezembro de 2003, a taxa estava em 29,1 mortes a cada grupo de 100 mil habitantes. O índice caiu nos anos seguintes, mas voltou a subir logo depois, conforme o Ipea.

Mortes por arma de fogo

Em 2016, 71% das mortes violentas no Brasil foram causadas por armas de fogo, maior parte sem registro, o que equivale a 44,5 mil mortos.  Em comparação, no Canadá, essa proporção é de 34%.

Em referendo de 2005, previsto pelo Estatuto do Desarmamento, 63,94% dos brasileiros votaram contra a proibição da venda de arma de fogo, o que não foi levado em consideração, fazendo valer interesses do governo, chefiado na época pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Tipos de crimes e prisões no Brasil

ROUBO: 27,6%

TRÁFICO DE DROGAS: 24,7%

HOMICÍDIO: 11,3%

FURTO: 8,6

POSSO, PORTE E VENDA ILEGAL DE ARMAS: 4,9%

ESTUPRO: 3,3%

Menos de 3% dos roubos acontecem em residências, onde a arma de fogo deverá ficar. A maioria acontece a transeuntes, 47%. Em seguida aparece o roubo no interior dos veículos, 19%. Já no comércio, os roubos representam cerca de 6%

Decreto que facilita posse de armas

O direito à posse é a autorização para manter uma arma de fogo em casa ou no local de trabalho (desde que o dono da arma seja o responsável legal pelo estabelecimento). Para andar com a arma na rua, é preciso ter direito ao porte, cujas regras são mais rigorosas e não foram tratadas no decreto.

O texto do decreto permite aos cidadãos residentes em área urbana ou rural manter arma de fogo em casa, desde que cumpridos os requisitos de “efetiva necessidade”, a serem examinados pela Polícia Federal.

Cumpridos os requisitos, o cidadão poderá ter até quatro armas, limite que pode ser ultrapassado em casos específicos.

O decreto também prevê que o prazo de validade do registro da arma, hoje de cinco anos, passará para dez anos. A Polícia Federal decidirá se autoriza ou não a concessão da posse.

Conforme o despachante de armas em Itabira, Marcelo Lage (foto), o número de pessoas em busca do registro e posse de arma deve dobrar neste ano. “Em 2018 atendemos cerca de 200 pessoas, e para este ano, após a flexibilização, acredito que este número salte para 450 pessoas, boa parte moradores da zona rural e empresários”, diz Marcelo Lage.